terça-feira, 30 de setembro de 2008

"A audiência não quer apenas programas simples. Quer programas bons"

Anna Tous Rovirosa, 34, é jornalista e professora associada da faculdade de Ciências de Comunicação da Universidad Autónoma de Barcelona, onde fez doutorado em Jornalismo e Comunicação. Rovirosa defendeu uma tese propondo uma método de análise para televisão, estudando as séries Lost, The West Wing, CSI, House e Desperate Housewives. A professora fica no Brasil até esta segunda-feira, 29, depois de três meses no país em intercâmbio com a Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba). No país, Anna Rovirosa fez um estudo preliminar do gênero telenovelas, analisando A Favorita e a reprise de Pantanal. Em entrevista ao repórter SAYMON NASCIMENTO, ela afirma que as novelas brasileiras podem ser produtos de comunicação tão bons quanto qualquer outro, e destaca as diferenças entre a maneira americana e brasileira de fazer tv.


A TARDE On Line - Como a senhora resolveu estudar televisão? Ainda há preconceito da academia?


Anna Rovirosa - Comecei minha pesquisa sobre seriados americanos em 2005. Antes disso, havia feito um mestrado sobre as possibilidades de análise de ficção audiovisual. Essa primeira parte foi conceitual, sem nenhum objeto de estudo, mas quando passei ao doutorado, precisei aplicar essa proposta de metodologia a produto conceito, e escolhi os seriados americanos. O preconceito na academia ainda é forte, muita gente acha que a televisão não é um campo de análise suficientemente interessante, mas essa visão está mudando, e temos muitos produtos de qualidade que merecem ser estudados.


On Line - A senhora trabalha com a idéia de que as séries americanas alcançaram um estágio de maturidade televisiva. A que se deve essa sofisticação?


AR - A televisão já tem 50 anos de vida, e é um meio que já passou por várias fases. Tanto o espectador como os produtores têm uma familiaridade com essa história. Com isso, as séries se tornaram muito referenciais e intertextuais, e chegam a fazer ironias e paródias sobre os seus próprios meios expressivos. Também há algumas invariantes televisivas, que não existiam no princípio dessa mídia. São temas sólidos e recorrentes, como, por exemplo, a tensão sexual não resolvida entre dois personagens. É uma situação que vem do cinema e de outros meios, mas se tornou um clássico da televisão. A tv já tem os próprios clássicos.

On Line - Não há também uma relação com a mudança dos tempos, e a liberdade para se trabalhar com temas mais complexos?


AR - Temos que pensar a importância dos canais fechados nos Estados Unidos. Canais produtores como HBO e Showtime buscam uma audiência sofisticada, culta, e fazem programas que não seguem os padrões de censura dos canais abertos. Já CBS, NBC, ABC e Fox, as grandes redes americanas, têm que fazer programas de qualidade para concorrer com os canais fechados, onde há liberdade criativa muito grande.

On Line - Em geral, há uma idéia na academia de que quando a televisão se sofistica demais, acaba afastando o telespectador. Por outro lado, há casos recentes de produtos bastante elaborados que conseguiram sucesso não apenas de crítica, mas também de público. Como a senhora explica esse paradoxo?


AR - Não há paradoxo, por que essa idéia de que a audiência só quer coisas simples não procede. Durante muito tempo, na era chamada de "neotelevisiva”, acreditou-se que a linguagem dos programas deveria ser mais próxima dos espectador, e por isso, não se deveria jamais usar termos considerados cultos. Isso acabou, devido ao sucesso de séries como The West Wing, que tem linguagem muito específica, e não é um produto "fácil". O êxito de crítica e público mostrou para os produtores que os espectadores querem produtos não necessariamente simples, mas produtos bons.

On Line - Esse aumento de sofisticação é algo observado nas séries de tv em geral ou em algum gênero específico?


AR - A televisão americana tem três "idades de ouro", e essa idade de Lost, 24 Horas, Grey's Anatomy e outras séries é chamada de "Era do Drama". Essa mudança é cíclica; há uma alternância da importância dos gêneros. Nos anos 90, foi a época de séries cômicas como Friends e Frasier, que marcaram uma época.

On Line - A que se deve essa mudança? Como acontece esse refinamento do gênero? Pela aplicação do modelo acabado ou pela subversão dos cânones?


AR - Nos gêneros, há marcas rígidas na sua construção, as chamadas situações clássicas. As viradas de gênero acontecem justamente nesse ponto. Vamos dar um exemplo com CSI. A televisão americana tinha uma enorme tradição de séries dramáticas com temas policiais e jurídicos. A novidade de CSI é inserir o ambiente forense. Até os anos 90, a morte era um tabu na televisão, porque os anunciantes achavam que temas truculentos não proporcionavam ao espectador vontade de consumir. Era tudo muito leve. Com o sucesso e a ousadia de CSI, a morte passou a fazer parte da televisão, e o gênero dramático foi renovado.

On Line - Durante muito tempo, a televisão só teve aclamação quando havia uma associação com ícones do cinema, como o caso de Twin Peaks com David Lynch, ou o Decálogo de Krzysztof Kieslowski. Qual a relação das séries com o cinema hoje?


AR - Em 2003, houve um grande marco nessa mudança de relação entre tv e cinema. A revista Cahiers du Cinema, dedicada tradicionalmente ao cinema de autor fez um especial inteiramente dedicado à televisão, chamado "Séries - A Idade de Ouro". Antigamente, as séries eram o espaço para aposentadoria dos atores de cinema, e o meio televisivo considerado era muito secundário. Hoje, com o sucesso da Era do Drama, muitos empresários de atores até exigem que os seus representados estejam numa série de tv. Hoje se reconhece até uma qualidade às vezes até maior num seriado do que no cinema.

On Line - O que falta nos outros formatos de televisão para que cheguem ao padrão dessas séries?


AR - Estou aqui no Brasil para estudar novelas, e acho que ela é um produto que tem referências muito determinadas. É interessante poder fazer uma
comparação, mas não falaria que a novela é melhor ou pior que os seriados. São outras especifidades, outro contexto de produção, como a quantidade de episódios produzidos. Pode-se pesquisar se a qualidade estaria ligada ao contexto produtivo. Estou acompanhando A Favorita e Pantanal e posso dizer que são produtos tão bons quanto qualquer outro de televisão.

On Line - Como espectadora e pesquisadora, qual o melhor seriado de televisão exibido nessa nova fase do formato?


AR - É uma pergunta difícil, mas acho que é The West Wing. O produtor Aaron Sorkin tem um cuidado muito grande com o diálogo e respeito pela audiência. Ele faz produtos muito inteligentes, sem medo de que ninguém vá entender. Eu gosto muito de todos os seriados, mas os produtos de Aaron Sorkin e da HBO se destacam.

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